quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Lágrimas de vida

Numa noite
escorregou em gotas
pensava ser da chuva
mas na realidade
não passavam
das suas próprias lágrimas
lágrimas da sombra
de um coração ferido
quase sem vida

Alma de sombra
vida empobrecida
por um tempo
que teima ser
apenas tempo de espera
no qual o gosto
deixou de existir

Deformada
aos seus próprios olhos
apagou o último sorriso
de um sonho perdido

Lágrimas de vida
numa boca seca
de amor

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Manhã submersa

Colhem-se suspiros
em gotas de vapor
numa janela de desabafos
de destino remoído

Em cada suspiro
uma verdade efémera
em cada recordar
uma ferida aberta
em cada tentativa
de esquecer
um momento perdido

Manhã submersa
num jogo de dúvidas
insistentes, persistentes
num misto de querer
e não possuir
o que uma boca anseia
o que um corpo deseja

Um doce sentir
num amargo recordar
um ser de corpo e alma
preso na teia do mundo
consumido lentamente
pelo desamor


terça-feira, 30 de novembro de 2010

Quarto escuro

Abriu a porta lentamente
com o movimento
sentiu um leve cheiro a silêncio
seria assim os próximos dias
silêncios
de escuridão desterrada

Decidira caminhar
de luzes apagadas
sentir o toque frio
das paredes destemperadas
de um quarto secreto
repleto de cheiro a desespero

Entre quatro paredes
fez um ângulo recto
do corpo com a cama
das almofadas um apoio rígido
de uma cabeça
com o peso do mundo

As ideias desfilaram
a uma velocidade
pouco perceptível
compassadas pelo som da ventilação

No centro desse espaço
sentou-se no chão
adormeceu
em enigmas misturados
com alcatifa seca e pouco piedosa

Pontos e enigmas
por desvendar
num quarto escuro
de um olhar
a preto e branco

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Podre e amargo sabor

De cordas do destino rompidas
fez a sua própria melodia
gemidos entalados
entranhados numa garganta
engasgada, rasgada
de tanto veneno engolido

Gelada por dentro
enrugada por fora
sacrificada por um tempo
em que o amor
lhe sabe a fruto podre
realidade crua
sangrada a frio
dor de víbora despertada
de presa abatida

Dançou ao som
de uma música maldita
nas veias corria veneno
de cobra cega
numa mistura de mulher de fogo
e alma ferida

Podre e amargo sabor
de desamor

sábado, 13 de novembro de 2010

O teu enigma

Vivia de sorrisos discretos
apenas ele os conseguia
definir e sentir
na noite fez o seu dia
refugiado na sombra
de sonhos imaginados
e por ele pensados

Nesse corpo
tocava uma melodia
por poucos ouvida
por poucos sentida
a melodia da liberdade

Por entre silêncios
construiu o seu mundo
entre silêncios
amava sem o dizer
perdera a vontade
de o exprimir

Nas linhas do tempo
escreveu a sua história
na sede do mais querer
atreveu-se a abraçar
a dor da mudança
as raízes dos seus pés
gritavam de uma saudade
ainda ausente

O mundo abriu-se finalmente
aos seus olhos
será que o viu?
do outro lado da mudança
talvez estivesse tudo
a sua espera
ou simplesmente o medo
de se perder na eternidade
de um nada
sem gosto
nem rosto

Nestas linhas
pintei o teu rosto
no meu corpo
ficou o teu gosto

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Poeira de sonho

De sentidos estagnados
corpo dorido
mergulhou nas palavras
purificando a alma
num banho
de poeira cristalina

Sentiu
sem saber sentir
a força de um amor
que lhe pintou
os sonhos
abriu-se lentamente
abraçando a vida
sem a certeza
da solidão ser quebrada

O tempo passou
os sonhos ficaram
mudaram as personagens
que foi pintando
timidamente
na tela do destino
num presente
ausente

Hoje pintou-se
num quadro
de poeira de sonho
a tela secou
num vazio de cores
corridas a vento

Palavras perdidas
numa tela em branco
de poeira de sonho
esquecida

terça-feira, 26 de outubro de 2010

O secar dos sentidos

Sentia-se a secar
como se as palavras
não fossem suas
a inspiração perdia-se
algures entre

a sede de viver
e a sede de ser
sem medir o tempo
apenas viveu
cada momento
de um novo despertar
de amor

Talvez acorde um dia
mas por agora
fica envolvida
num adormecer
de palavras
em silêncios
propositadamente
contidos
no secar
dos sentidos

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

(in)certa

Num suspiro de alma
foi desfolhado um coração
como as páginas
de um livro em branco
uma imagem
se gravou em silêncio
em cada uma delas

Numa incerteza
abriu as asas frágeis
marcadas de rasgos
intemporais desiguais

Com medo caminhava
lentamente
ouvia os suspiros
de tempos passados
trazidos pela brisa nocturna

Sentiu o frio polar
no rasgar
das folhas de um outono
esquecido

Aconchegou-se
e esqueceu-se
na certeza de uma vida
(in)certa

domingo, 17 de outubro de 2010

O sentir das Palavras

Do sentir
fez o seu ser
de palavras amadas
desarmadas
escreveu
como se o amanhã
não existisse
num presente
corrente
em linhas abstractas
transcreveu prosas
fechou portas
abriu janelas
construiu caminhos
intemporais
banais para os demais
num sentir de palavras
nas quais mergulhou
sem se cansar

Ainda hoje
vive do sentir
num amar de linhas
e entrelinhas
num ser poeta
sem o saber ser

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Rasga-se

Num desgaste incerto
rasgaram-se nuvens
leves
frágeis
mas resistentes
resistiam
persistiam
a ventos glaciares
ao sol abrasador
a tempestades sentidas
a rajadas cuspidas

pelo céu em fúria

Amarga procura
de um rasgar
destemido
de corpos enlaçados
enraízados

Da natureza vem a força
do renascer
de um amor seco
onde as palavras
se libertam em ecos
em enigmas
rasgados
despidos e sentidos


segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Símbolos

Linhas descontinuas
numa continuidade
inconstante
códigos virgens
pintados a fresco
num corpo nu
imaginado
em cada ponto
e desencontro
de dois olhares

metáforas secas
colhidas pelo pensador
criador de palavras
de amor
com sabor de flor

silêncios
símbolos de vidas
traçadas no amor
sorrisos
de cor
decorados
recortados
rasgados nos lábios
no esplendor
do sentir
sem (te)tocar
num navegar
sem mar

sábado, 4 de setembro de 2010

Palavras gravadas a frio

As palavras eram enigmas
de uma vida
gravadas a frio
num corpo quente
em cada linha um segredo
em cada segredo
um silêncio

caminhava pelas sombras
sem direcção certa
até que se apercebeu
que o valor de tudo
está no mais simples

desde então
respira liberdade

terça-feira, 31 de agosto de 2010

O poeta do nada

Do branco se fez nada
o nulo da tua existência
desprezada e sem sentido

De palavras trabalhadas
se fizeram textos
que escondem a identidade
de quem pensa ser
um poeta inatingível

Remexe em textos
que todo o sentido faziam
queimados numa fogueira mal apagada
de orgulho e preconceito
de um ser "solo" e mesquinho

Tudo o que pensa ter
está num saco desgastado pelo tempo
uma identidade perdida
que tropeça nos seus próprios passos
e que se sufoca em poesias do nada

nada
poeta

não és
nunca o serás
porque nem homem és

domingo, 22 de agosto de 2010

O poeta surdo

Vivia alheio aos sons do mundo
Das cores criou os seus instrumentos
Do preto fez a capa do seu livro
Com enigmas e sonhos perdidos
Da solidão o título
Da obra de uma vida
Mentiras e histórias mal acabadas
Tormentos e lamentos
Desalinhados e desatentos
Despediu-se do amor em cada estrofe
Como se dele não dependesse
Vivendo escravo de cada texto
E perdido entre cada linha
Olhar triste
Sorriso fingido
Longe da vida
Porquê?

Porque todo o surdo que finge que ouve
É uma mentira barulhenta e mal acabada

sábado, 14 de agosto de 2010

Vómito de palavras

Palavras ocas
soltas ao vento
sorrisos engasgados
com palavras vomitadas
esverdeadas cor de bílis
existência recalcada
estampada nas páginas de um livro
carbonizado pelo desespero
vida fútil
ser egoísta
serás sempre
a sombra de palavras perdidas
a procura de protagonismo barato
num livro sem existência
à tua imagem
nulo
inútil

Do teu livro
rasgarei cada página
e queimarei cada linha
da tua mentira
até te carbonizar as entranhas

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Lamentos atentos

Jogava com as palavras
para delas tirar
mentiras abstractas
horas e horas
de nadas com os pés
entalados no sofá
vivia sem saber viver
com números e enigmas
baratos
num baralho de cartas
gastos pelos "vizinhos"
nas noitadas
decidiu na mentira e no orgulho
se esconder
sendo esse o seu único
e verdadeiro mau viver
quem muito sabedor se julgava
caiu no erro da maior das ignorâncias
afundando-se
no abismo da estupidez
acordando repetidamente
manhãs e manhãs
com o berbequim
do 4º andar a moer-lhe as entranhas

Estranhas sensações?
não, o sucedido
foi mais que merecido

Ficou com o recibo na mão
e perdeu a dignidade
enquanto estava distraído
com o seu gémeo Narciso

Quem eras?
Tudo
Quem és?
Nada

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Fingindo que sente

Palavras rasgadas
lâminas afiadas
numa conversa desencaminhada
pelos sorrisos cortantes
rasga
rasga
finge que sente
o que os olhos vêm
esconde
esconde
o que o coração tenta esquecer
sabes?
não, pensas saber
a lâmina passa
as palavras separam-se
o silêncio perturba
o mais atento dos ouvintes
fingindo que sente
ou sentindo o que finge?



domingo, 1 de agosto de 2010

Entre o poeta e o fingidor

Entre o poeta e o fingidor
existe um abismo de diferenças
um que vive das palavras
e o outro que finge que gosta
do que escreve
porque nada mais tem nele
que a seca mentira
entranhada nos poros
todos somos poetas
muitos fingidores
felizes?
talvez
o que sou?
nem um nem outro
ou talvez os dois
fingindo o que escrevo
ou fingindo
ser o que sou
sabendo que és
o que não queres ser

Fingir

Vivia numa pele
que não lhe pertencia
uma vida roubada e esmagada
enquanto a vida lhe falha
ficam-lhe as palavras
é esse o desafio
descobrir
se da prosa
se revela um fingidor
ou simplesmente alguém
que vive com as palavras
entaladas no esófago